Este texto foi-me gentilmente cedido para publicar aqui no meio deste pequeno Diário de Venenos, acho que ele só vem enaltecer este meu humilde blogue no qual, não tenho quaisquer pretensões de escritora, poeta, ou mesmo narradora de estórias. Esta é a diferença entre escrevinhar e escrever, eu escrevinho a Ana escreve!
Obrigada Ana pela colaboração
imagem:retirada da net
"Ela sentou-se na esplanada, naquele entardecer ameno. Os pensamentos invadiam-na como intrusos numa já ruidosa festa. Não os quis, estava cansada. Não queria pensar nem sentir, apenas estar. Pediu um martini nos copos largos e baixos em que a bebida, além do sabor, lhe trazia uma mais palpável sensação de glamour, e recostou-se a observar o entorno. As conversas, sussurradas, traziam-lhe à memória antigos filmes de espionagem; todos os sons estavam abafados, dispersos, difusos e apenas entendeu o porquê quando, límpido e destacado, o divino som de um piano lhe invadiu os sentidos… a pele arrepiou-se-lhe e assim permaneceu… Sentiu-se a deslizar no sentido daquele som, atraída por alguma misteriosa força a que não podia nem queria resistir.
Subiu as escadas estreitas a que a entreaberta porta junto à esplanada dava acesso. Não sabia para onde ia, apenas que tinha que ir. Rumou ao desconhecido, subindo com a firmeza segura de quem não tem qualquer dúvida. Pé ante pé chegou ao topo das escadas, e a um salão de altas e estreitas janelas e chão de madeira rangente. Ao centro um piano e ao piano um homem. Um homem normal, mas sublime na sua comunhão com o som. Um homem normal mas infinitamente belo pela emoção do seu sentir. O homem era homem e melodia; o corpo prolongava-se em som; a alma em exultação. Tocava de tronco nu, descalço, ligado ao divino por algum invisível fio…
Ela ficou estática, no pavor de quebrar aquela oração. A respiração ficou-lhe suspensa enquanto cristalizava o momento para toda a sua eternidade. Ele olhou-a sem surpresa, todo entrega. Olhou-a mais fundo do que jamais alguém a ousara olhar, enquando os dedos continuavam a percorrer, velozes, o palco da melodia. E então ela avançou. Nada a poderia parar. Sentou-se a seu lado, abraçando-o num aperto forte, desesperado. Inspirou do seu pescoço aquele odor puro e forte e sentiu-o tremer sob as suas carícias… a música num crescendo convicto a acompanhar a escalada da emoção e do reduto do prazer.
Ao sabor da melodia, a mão dela agarrou-lhe no sexo como se o segurasse inteiro: corpo, alma e coração… Balançou-o numa cadência ritmada que o levou à momentânea loucura, fazendo-o acreditar que se parasse morreria… E os dedos dele continuavam a amá-la com música… com som. E ela tremeu, também, com o prazer recebido do prazer que estava a dar, até chegarem por fim juntos à apoteose final, cerrada no prolongado arrepio de um momentâneo silêncio.
E quando ele, refeito e livre, a tomou finalmente nos braços e a invadiu por inteiro, o som do piano abandonado continuou a soprar-lhes a melodia do desejo…"
Ana Dias
Espero que tenham gostado tanto como eu.
Beijo envenenado
Cicuta
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